Essa é uma questão delicada sobre a qual expresso uma posição pessoal, com os argumentos que norteiam a condução de meu próprio trabalho.
Toda fonte de informação é bem-vinda para o aprimoramento e correção biológica da representação ilustrativa (veja mais detalhes sobre fontes de informações). É corrente, entretanto, a confecção de trabalhos baseados exclusivamente, ou em grande medida, em uma única foto. Em alguns casos o ilustrador serve-se também de materiais fixados e de observações pessoais do organismo vivo, mas ainda assim baseia-se praticamente apenas na foto, modificando-a ligeiramente ou quase nada. Como "ligeira modificação", pode-se chamar a supressão, na ilustração, do fundo da foto matriz, isolando assim o objeto retratado, ou uma inversão horizontal tal qual aquela causada pelo espelho. Como "quase nada" de modificação, podem-se entender, por exemplo, as inevitáveis diferenças de forma, luz, contraste ou colorido que surgem em decorrência da reinterpretação da foto, ou seja, modificações involuntárias.
Em meu trabalho procuro, salvo raras exceções comentadas abaixo, evitar esse procedimento, bem como contra-recomendá-lo a quem suponho que convenha, pelos motivos que exponho a seguir:
1. A fotografia é, por si, um meio de representação, e tal como uma ilustração, tem natureza autoral. Como se sabe, é também uma arte e, em muitos casos, um meio de expressão. A cópia ou "quase-cópia" de uma foto pode, portanto, ser considerada plágio.
2. Não parece haver sentido em se reproduzir pictoricamente uma boa fotografia para os fins que usualmente a ciência demanda. Se a foto é tão boa a ponto de poder ser praticamente copiada, pode ser ela própria uma excelente ilustração e servir a uma obra científica – mais ainda com o auxílio dos recursos digitais disponíveis hoje, capazes de ajustar detalhes para que a foto sirva plenamente ao intuito ilustrativo. Já se a foto deixa tanto a desejar que precise ser refeita à mão, não deveria ser considerada uma boa base para uma ilustração pictórica, nem parece sensato praticamente copiar tal foto.
Há casos em que a foto não é boa alternativa para ser publicada, pois se faz necessária uma representação mais sintética que elimine os ruídos do excesso de informação. Por isso é muito comum que uma planta fotografada seja reinterpretada em um desenho a nanquim, por exemplo. Nesse caso justifica-se bem uma reprodução exata do que se vê na fotografia, desde que, em ilustrações taxonômicas, haja sido coletado o material fotografado, e este seja usado para aperfeiçoar a ilustração. Pessoalmente, por certo cacoete, procuro evitar a cópia até mesmo nesses casos, talvez por excessiva devoção à arte ilustrativa e pelos motivos expostos no item 5.
3. A fotografia não registra o que o olho humano vê. A qualidade de nossa percepção de luz, cores e contraste jamais é registrada em fotos, nem mesmo com o melhor aparato técnico e toda habilidade e experiência possíveis. Caso o ilustrador venha a serviço de corrigir exatamente isso a partir da observação do material fixado, deveria ser habilidoso a ponto de dispensar também a forma do organismo na composição fotográfica, passando assim a criar algo totalmente original. Além disso, mesmo a melhor fotografia pode deixar pouco ou nada evidentes algumas estruturas ou detalhes da forma do organismo que apenas um olhar acurado sobre o próprio material será capaz de detectar.
4. Todo desenho taxonômico de um organismo deve estar necessariamente vinculado a um material testemunho, que deve ser citado na própria ilustração. Tal material testemunho deve estar recolhido, catalogado e preservado em coleções museológicas. Quando se perde por qualquer motivo este material, uma foto ou ilustração do próprio organismo perdido pode substituí-lo na medida do possível, servindo para consulta e para fornecer dados a pesquisas. Nesses casos, pode-se realizar nova ilustração a partir da foto ou ilustração de outro autor que esteja porventura deteriorada; todavia, não sem a citação do autor da original que lhe serviu de base. Apesar disso, é comum se saber de ilustrações baseadas em fotos (ou mesmo em outras ilustrações) que não citam o autor da foto ou ilustração matricial, o que constitui autêntico desrespeito à autoria. Este tipo de citação deve constar onde for possível, seja na legenda da figura quando da publicação científica (ou mesmo publicações de ampla distribuição e na internet), seja na área útil do próprio trabalho quando em outras veiculações como exposições.
Segundo o procedimento acima exposto – parte das normas que regem a metodologia científica – uma ilustração taxonômica que tome por base uma foto, a qual tenha por objeto um organismo que não foi coletado nem preservado museologicamente, não pode ser considerada senão uma ilustração leiga, ainda que seja fiel ao espécime retratado e represente bem a espécie. Até se pode chamá-la científica, mas parece correto chamá-la de ilustração científica leiga ou amadora, não de forma a denegrir seu louvável valor, mas sim para classificá-la, enfatizando assim o rigor que orienta a confecção daquelas ilustrações que se atêm ao método científico e conservam material testemunho.
De acordo com as normas da ciência deve-se ainda ressaltar que, quando se usam as fotos apenas como fonte de informações, a confecção da ilustração se baseará principal e necessariamente no organismo fixado, ainda que seja o mesmo retratado na foto. É, portanto, ao material testemunho que a ilustração taxonômica deve total fidelidade, tendo a foto apenas por guia para devolver o organismo à vida.
5. Particularmente, disponho-me a abrir exceções e me basear em uma única foto para um desenho taxonômico apenas nos casos em que a foto é de minha própria autoria, ou do pesquisador que requereu o trabalho. Ainda assim, sem abrir mão de que o material fotografado tenha sido coletado e seja também estudado durante o desenho, atendo-me assim a detalhes possivelmente suprimidos pela foto. Entretanto, como raramente as condições são ideais no momento do disparo fotográfico – devido a problemas como mau posicionamento, vento, luz desfavorável, foco imperfeito, perspectiva confusa, composição mal estudada, ilusões de ótica –, quase sempre procuro efetuar mudanças com o intuito de corrigir eventuais imprecisões e alcançar a maior clareza possível na representação, além de buscar o melhor resultado estético e artístico.
6. Nas ilustrações não taxonômicas, como por exemplo as representações de um ambiente ou uma fisionomia em que constem diversas formas de vida animais e vegetais, ou mesmo quando se representa algum aspecto ecológico ou comportamental com poucas espécies registradas, evidentemente não é necessário que haja coletas para testemunhar tudo o que foi documentado. Entretanto, a ciência jamais dispensa a citação uma fonte idônea na qual o desenho tenha se baseado. Assim, o procedimento correto é sempre citar a fonte, sejam ilustrações ou fotografias tomadas no local (e seu autor), materiais devidamente preservados em museus (em quaisquer ilustrações botânicas, zoológicas, paleontológicas e/ou arqueológicas) ou, nos casos de desenhos in situ, a localidade exata em que o ilustrador trabalhou.