Considerações sobre a ilustração de organismos em sua forma viva

Uma introdução às abordagens feitas no curso "Revivendo plantas e animais por meio do desenho"

Quando se pretende representar um ou vários organismos vivos a partir de material coletado e fixado, são vários os aspectos a serem levados em conta e rigorosamente analisados. Esse estudo vai bem além do correto entendimento e re-concepção da forma assumida pelo organismo quando vivo, e tanto melhor será o resultado quanto mais informações o ilustrador obtiver acerca do(s) organismo(s) em questão. É necessário, portanto, pesquisar bastante e procurar ter todas as questões pertinentes respondidas antes de lançar mãos à obra.

A primeira providência é definir muito bem o objetivo da ilustração, pois disso derivarão todas as questões relevantes. Por isso, deve-se começar tendo bem claro o que se pretende representar.

PERGUNTAS-CHAVE:
  • Qual o objetivo da ilustração?
O que se pretende mostrar e/ou enfatizar? Forma/Cor? Comportamento? Ambos? Uma ou mais interações entre organismos? Todos esses aspectos juntos?
  • Quais características específicas e/ou subespecíficas distinguem o(s) organismo(s)?
  • Estará(ão) o(s) organismo(s) representado(s) isolado(s) ou inserido(s) em seu ambiente?
  • Qual o habitat do(s) organismo(s)?
  • Quais são os principais aspectos ecológicos do(s) organismo(s)?
• Animais: em que substrato vive? De quê se alimenta? É diurno ou noturno? Que relações possui com outros organismos?
• Vegetais: que substrato ocupa? Como obtém recursos? É adaptada à luz, à sombra ou à meia-sombra? Que relações possui com outros organismos? Cresce isolada ou em conjunto com indivíduos de sua ou de outra espécie?
  • Quais são os principais aspectos comportamentais do(s) organismo(s)?
• Animais: como se movimenta? É rápido ou lento? Que posturas assume em movimento e em repouso, ou de acordo com sua intenção? Que posturas ou locais de repouso prefere? Como é sua locomoção? Caso voe, que posições assumem as diversas partes do corpo? É solitário ou vive em grupos?
• Vegetais: como é seu crescimento e reprodução? Em que época floresce e frutifica? Que posições assumem seus diversos componentes em vida? Há reações visíveis de curto termo a modificações do ambiente?
  • Quais os principais aspectos anatômicos e estruturais do(s) organismo(s)?
• Animais: quais as dimensões de suas diversas estruturas e, de modo geral, das partes componentes dessas estruturas? Qual a restrição dos movimentos dessas estruturas? Como os movimentos de partes do corpo interferem nos posicionamentos ou movimentos de outras partes? Quais partes são rígidas e quais são flexíveis em vida?
• Vegetais: quais as dimensões das estruturas e dos seus componentes? Quais os posicionamentos padrões da planta como um todo, de suas estruturas e dos componentes dessas estruturas? Quais as variações comuns em relação a esse padrão? Como são as diversas estruturas e componentes em termos de rigidez e flexibilidade? Que alterações na estrutura anatômica do vegetal podem ser determinadas por fatores ambientais?
  • Como foi(ram) fixado(s) o(s) organismo(s)?
Quais características são artefatos de fixação? Perderam-se dimensões, cores, tecidos, pedaços? Que enrugamentos, dobras ou distorções devem ser suprimidas na ilustração? Que pigmentações se mantém e quais se perdem nessa fixação? Quais as formas e as medidas em que se pode confiar após a fixação? Que tipo de transformações determinado tipo de fixação causou em relação à forma viva do organismo? O que se pode presumir da forma viva a partir do conhecimento do processo de fixação?

Tipos de fixação comuns e suas conseqüências:

1. Taxidermia: Cores pigmentares (amarelos, alaranjados, vermelhos, marrons e preto) empalidecem moderada a fortemente. Cores estruturais (azuis, verdes, cores iridescentes) empalidecem ligeiramente. A postura corporal de fixação pode ser muito inadequada para indicar a postura viva.

2. Herborização: perdem-se as cores. Estruturas muito delicadas (membranáceas) perdem de 30 a 50% de suas dimensões em vida, sem as recuperarem após a reidratação. Estruturas mais carnosas e coriáceas perdem cerca de 15 a 30% das dimensões e se recuperam bem após reidratação.

3. Álcool ou outros solventes:
• Animais: perdem-se as cores, mas certas queratinizações pigmentadas escuras podem manter-se escurecidas.
• Vegetais: cores são perdidas. Dimensões se reduzem de 5 a 10%. Estruturas carnosas e coriáceas se preservam bem. As delicadas amolecem e fragilizam-se.

FONTES DE INFORMAÇÕES

A fim de obter o máximo possível de respostas às questões propostas, deve-se recorrer a toda e qualquer fonte de informação: relatos de pesquisadores, referências bibliográficas, fotografias (v. artigo: SOBRE A FOTOGRAFIA COMO MATERIAL DE APOIO À ILUSTRAÇÃO) e/ou ilustrações de origem idônea (cujo organismo focalizado esteja indubitavelmente identificado), além do material fixado, evidentemente, quando disponível (em caso de ilustrações taxonômicas obrigatoriamente deve haver material fixado em que se basear, salvo exceções relatadas no artigo "SOBRE A FOTOGRAFIA COMO MATERIAL DE APOIO À ILUSTRAÇÃO").

A busca de informações pode, por vezes, requerer autêntico trabalho de investigação lógica. Quando se obtêm muitas fotos de diversos autores, por exemplo, de uma determinada ave marinha pousada, mas esta se encontra sempre boiando na superfície do mar, é possível se inferir que seja raro encontrá-la pousada em areia, pedras ou ramos, ao menos longe de seus ninhos. Por isso, se não for possível a obtenção de mais detalhes, será mais sensato representá-la flutuando. Caso seja preciso ilustrar seus pés, uma alternativa seria ilustrar a ave a pousar ou decolar, com os pés tocando a superfície da água. Isso também pode gerar conflito com a necessidade de se mostrar claramente características das penas da face dorsal das asas. Nesse caso, a solução seria buscar uma posição mais propícia no momento de pouso ou decolagem, de forma que favoreça a visão simultânea dos pés e das penas.